Invisibilidade do câncer na população negra pauta painel promovido pelo IGCC no 12º Congresso Todos Juntos Contra o Câncer

Especialistas, gestores e pacientes discutiram como o racismo estrutural impacta os desfechos do câncer e quais ações são necessárias para garantir justiça e equidade em saúde

Entre os dias 16 e 18 de setembro, o Instituto de Governança e Controle do Câncer (IGCC) esteve presente no 12º Congresso Todos Juntos Contra o Câncer (TJCC), promovido pela Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (Abrale), em São Paulo. Ao longo dos três dias de evento — considerado o maior encontro de oncologia do Brasil —, o Instituto marcou presença em debates estratégicos sobre políticas públicas e apresentou resultados inéditos do estudo “Invisibilidade do Câncer na População Negra”, conduzido em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e a BMS Foundation.

O ponto alto da participação ocorreu no último dia do congresso, com o painel temático “Saúde, Raça e Desigualdade: a Experiência da População Negra com Câncer”, que reuniu cerca 65 pessoas, entre gestores, profissionais de saúde, pesquisadores, pacientes  e representantes da sociedade civil. A sessão teve como objetivo discutir as barreiras estruturais que perpetuam desigualdades raciais na área oncológica e apresentar recomendações práticas para uma assistência mais equitativa às pessoas com câncer no Brasil.

A abertura foi conduzida pela presidente do Conselho de Administração do IGCC e mastologista, Dra. Maira Caleffi, que destacou a importância de colocar o tema do racismo estrutural no centro da agenda oncológica:

“O IGCC nasceu com a missão de articular soluções inovadoras para o controle do câncer e garantir que o acesso à prevenção, diagnóstico e tratamento seja um direito de todos. Mas não há como falar em equidade sem enfrentar o racismo como determinante central da saúde”, afirmou.

Ao lado da Dra.  Maira, a diretora executiva do IGCC, Antonieta Moraes, apresentou a trajetória do estudo ICPN e trouxe dados que evidenciam a urgência de ação. Segundo a pesquisa, mulheres negras têm risco 27% maior de morrer por câncer de colo de útero e 25% menor de sobrevida no câncer de mama. Elas também são mais frequentemente diagnosticadas com subtipos agressivos da doença, como o triplo negativo, e costumam chegar ao sistema de saúde em estágios mais avançados.

“Se o sistema de saúde é universal, por que a cor da pele ainda influencia no diagnóstico e no desfecho do câncer?”, provocou Antonieta durante sua fala.

A mesa contou ainda com participações que enriqueceram o debate com perspectivas complementares. A assistente social Monique Rodrigues de Oliveira, doutoranda e mestre em Saúde Pública pela Fiocruz, apresentou um panorama histórico e social sobre a saúde da população negra, contextualizando o papel do racismo estrutural e institucional como barreira de acesso a políticas públicas efetivas.

“Não se trata apenas de falta de acesso. O racismo está entranhado na estrutura dos serviços de saúde, na formação dos profissionais e na própria produção de políticas. Reconhecer isso é o primeiro passo para mudar a realidade”, destacou.

A experiência dos pacientes foi representada pela enfermeira Rebecca Aletheia, que compartilhou em vídeo sua trajetória no enfrentamento ao câncer, relatando os desafios adicionais vivenciados por pessoas negras ao longo do cuidado oncológico. Já a deputada estadual Solange Freitas, autora da Lei da Semana de Conscientização do Câncer nas Comunidades, trouxe exemplos de como o poder público pode contribuir para a transformação dessa realidade:

“A elaboração de políticas específicas e o fortalecimento da participação social são fundamentais. Precisamos de leis que enxerguem as desigualdades e enfrentem o racismo como questão de saúde pública”, afirmou.

O painel também trouxe, pela primeira vez, os resultados detalhados do inédito estudo ICPN, que analisou dados dos Registros Hospitalares de Câncer no Rio Grande do Sul entre 2018 e 2021. Os achados evidenciaram diferenças significativas nos estágios de diagnóstico e início de tratamento entre pacientes negros e brancos, confirmando que a desigualdade racial se manifesta de forma concreta em todo o percurso assistencial.

Ao final, foram compartilhadas recomendações estratégicas elaboradas pelo IGCC, que incluem a incorporação do quesito raça/cor nos boletins epidemiológicos, a criação de instâncias de governança dedicadas ao tema e a oferta de formações sobre letramento racial para profissionais de saúde.

“As disparidades não são naturais, são produzidas por um sistema estruturado pelo racismo. Transformar evidências em políticas é um dever de justiça e de direitos”, concluiu Dra. Maira no encerramento.

O painel do IGCC no Congresso reforçou a urgência de enfrentar as desigualdades raciais como prioridade na agenda oncológica brasileira e marcou um importante passo rumo à construção de um sistema de saúde mais justo, inclusivo e sensível às especificidades da população negra.

Fotos: Fábio Risnic.