Diálogos e colaboração para eliminar o câncer de colo do útero na América Latina

Daniely Votto, Maria Fernanda Navarro, Fernanda Casarotto e Alice Zelmanowicz no painel de encerramento do evento | Foto: Felipe Costa

É preciso territorializar a discussão e o trabalho para prevenção e erradicação do câncer de colo do útero, porque não é possível que uma mulher morra deste câncer. Não podemos achar aceitável que uma mulher morra dessa doença sendo que temos ferramentas científicas para combatê-la”, assim convocou Daniely Votto, diretora executiva do Instituto de Governança e Controle do Câncer (IGCC), na abertura do evento “Diálogo sobre a eliminação do câncer de colo do útero: chamado à colaboração intersetorial”.

O encontro ocorreu em Brasília, na Câmara dos Deputados, no dia 12 de julho, e contou com mais de 80 convidados incluindo lideranças da saúde de 15 países da América Latina, representantes de governos e ministérios, organizações internacionais, universidades, hospitais, organizações da sociedade civil e setor privado.

O objetivo desta primeira reunião latino-americana organziada pelo IGCC, em parceria com o City Cancer Challenge e o apoio do Sabin Vaccine Institute, foi elencar compromissos e planos de trabalho para implementar as metas da Organização Mundial da Saúde (OMS) para eliminação do câncer de colo uterino. A meta 90-70-90 da OMS estabelece que até 2030, 90% das meninas sejam vacinadas contra o papilomavírus humano (HPV) até os 15 anos, 70% das mulheres sejam rastreadas usando um teste de alta precisão antes dos 35 anos e, novamente, antes dos 45 anos, e 90% das mulheres diagnosticadas recebam tratamento adequado. (saiba mais aqui)

No encontro, 28 painelistas abordaram o tema, apresentando projetos e programas de sucesso no enfrentamento da doença, além de iniciativas de conscientização, prevenção e diagnóstico precoce do câncer de colo do útero. Foi uma oportunidade para trocas de experiências e para inspirar ações regionais.

Eliminação do câncer de colo uterino: quão distante se encontra a América Latina?

O evento foi dividido em duas partes. No primeiro bloco foi debatido o cenário do câncer de colo do útero na América Latina apresentando as estatísticas sobre a doença, reforçando as estratégias da OMS e da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), e revisado o Fórum de Cartagena, de março de 2024, um importante marco no enfrentamento deste câncer na região. Também se analisou o quão distantes estamos de eliminar a doença com base nos três pilares de enfrentamento: prevenção, diagnóstico precoce e tratamento. Além disso, discutiram-se possíveis fontes de financiamento para a América Latina, com a participação de representantes do Banco Mundial e da Fundação ProPacífico. Ainda, se buscou renovar compromissos e delinear os próximos passos para erradicação. Os painéis da manhã contaram com a participação de representantes da Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Estados Unidos e Nigéria.

Da teoria à prática: casos bem-sucedidos na região

A segunda parte do evento trouxe iniciativas e cases de sucesso, promovendo a troca de experiências e aprendizados para melhor alcançar as metas da OMS. Destacou-se o Projeto Indaiatuba, no interior de São Paulo, iniciativa pioneira no combate ao câncer de colo do útero que teve como objetivo aumentar a detecção precoce e a prevenção da doença por meio de campanhas de vacinação contra o HPV, exames de rastreamento com teste DNA, educação comunitária e capacitação de profissionais da saúde, iniciativas de autocoleta e modificação da lei municipal para enfrentamento à doença. Destaque também para o caso do Peru, com a experiência de autocoleta, e diversos outros programas e ações do México, Colômbia, Chile e Brasil. Além disso, o segundo momento do encontro contou com a participação de representantes da Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde, que abordaram a história e a importância da vacinação contra o HPV no Brasil.

Compromissos regionais – o que podemos pôr em prática a partir de amanhã?

No encerramento do evento, Dra. Alice Zelmanowicz, chefe do serviço de oncologia clínica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre; Fernanda Casarotto, médica oncologista da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre e líder técnica do projeto Visão Zero do IGCC; Maria Fernanda Navarro, diretora regional da América Latina do City Cancer Challenge (C/Can); e Daniely Votto incentivaram a adoção de compromissos e ações regionais a serem implementados a partir do encontro.

Fernanda Casarotto também relembrou o impacto social que o câncer de colo do útero representa. 

O custo social dessa morte é muito alto, são 180 mil órfãos maternos por ano. E o que podemos fazer? Precisamos comunicar melhor com adolescentes, precisamos de pessoas que comuniquem. Precisamos do poder público, do poder privado, da sociedade civil, do jogador de futebol, do cantor, das pessoas em casa, todos nós conseguimos ser um pouco agentes nos nossos microambientes e espalhar a palavra da vacinação e do rastreio”, ressalta.

Na perspectiva da gestão, Maria Fernanda Navarro enfatizou que o câncer é a porta de entrada para fortalecer o sistema de saúde como um todo. 

Podemos usar o câncer de colo do útero para que o fortalecimento da saúde ocorra de forma sistêmica. Já temos a priorização global da doença com a estratégia da OMS e da OPAS e podemos usar esta oportunidade para trabalhar com nossos governos, não só nacionais, mas também os regionais para agir em colaboração”, encoraja a diretora regional do C/Can. 

A médica oncologista Alice Zelmanowicz sugeriu uma reflexão importante sobre os custos da implementação das ações, medidas de empoderamento feminino e análise de barreiras identificadas. “Vamos levar essas questões para nossa área de atuação e marcar um novo encontro para contar como demos conta, ou não, destes desafios”, incentiva Alice Zelmanowicz.

Entre as principais ações destacadas pelos participantes estão:

  • Avaliar os custos associados ao rastreamento organizado e à formação de recursos humanos;
  • Promover ações de empoderamento e autocuidado feminino;
  • Buscar fontes de financiamento e fundos para iniciativas regionais;
  • Desenvolver ações de educação, letramento em saúde e comunicação efetiva para o público-alvo;
  • Implementar o rastreamento com testes de DNA HPV;
  • Fortalecer os esforços intersetoriais;
  • Fortalecer os programas de vacinação contra o HPV;
  • Implementação da auto-coleta;
  • Fortalecer os laços e trabalhar de forma colaborativa.

Essas diretrizes visam garantir um progresso concreto na eliminação do câncer de colo do útero na América Latina, demonstrando o potencial das estratégias integradas e coordenadas para reduzir a incidência e a mortalidade da doença, servindo como um modelo para outras regiões.

Esse não é um evento que termina aqui, na verdade é um pontapé inicial e um questionamento que nós gostaríamos de compartilhar com todas as organizações que estão representadas aqui. O que a gente pode fazer a partir de amanhã? Quais são os compromissos, enquanto região, que nós podemos tomar?”, questiona Daniely Votto.

As estatísticas da doença

O câncer de colo do útero é uma doença prevenível e também pode ser curado se detectado precocemente e tratado de forma adequada. No entanto, a cada minuto, uma mulher morre por dia em decorrência deste câncer no mundo, sendo o quarto tipo mais comum mundialmente. Sem a adoção de medidas adicionais, o número anual de novos casos desse tipo de câncer deve aumentar de 570 mil para 700 mil entre 2018 e 2030, e as mortes pela doença aumentarão de 311 mil para 400 mil a cada ano. Em países de baixa e média renda, a incidência do câncer de colo do útero é quase duas vezes maior e as taxas de mortalidade são três vezes maiores do que em países de alta renda. (OPAS)

Apesar de ser evitável, o câncer de colo do útero mata mais de 35 mil mulheres nas Américas todos os anos, com a maioria (80%) desses casos ocorrendo na América Latina e no Caribe. As taxas de mortalidade na América Latina e no Caribe são três vezes mais elevadas em comparação com a América do Norte, destacando as desigualdades existentes em termos de renda, gênero e acesso aos serviços de saúde na região. (OPAS)

Por este cenário, se faz urgente a necessidade de diálogo sobre como gerar resultados positivos e ter boas evidências científicas para melhor enfrentar o câncer de colo uterino e manter a sustentabilidade dos sistemas de saúde em países de baixa e média renda.

O evento foi transmitido ao vivo pelo Youtube do IGCC, assista clicando aqui!

O Instituto de Governança e Controle do Câncer aproveita para expressar o agradecimento pelo apoio institucional que recebemos de nossos parceiros, em especial à Roche Diagnóstica durante o evento e em nossos esforços conjuntos no enfrentamento ao câncer nas cidades. Sua colaboração é crucial para avançarmos no controle da doença. Juntos, estamos promovendo transformação e impacto positivo em nossas comunidades.