Erno Harzheim, ex-Secretário de Saúde de Porto Alegre, Professor da Medicina de Família da FAMED-UFRGS, Professor da Pós-Graduação em Epidemiologia da UFRGS e membro do board do IGCC
No mês de comemoração dos dois anos de lançamento do Instituto de Governança e Controle do Câncer (IGCC), conversamos com Erno Harzheim, Secretário de Saúde de Porto Alegre entre 2017 e 2018, época da vinda do City Cancer Challenge (C/Can) para capital gaúcha.
O médico epidemiologista e professor da UFRGS contou sobre a experiência da cidade, na gestão da saúde, com a parceria internacional estabelecida com o C/Can e a posterior criação do Instituto de Governança e Controle do Câncer (IGCC).
IGCC: Como Secretário de Saúde, por quais motivos você acreditou que seria uma boa oportunidade firmar a parceria com o C/Can?
EH: O câncer será muito em breve a principal causa de mortalidade. Em Porto Alegre é a segunda e, como capital, representa um grande desafio para o Rio Grande do Sul, tendo uma responsabilidade diferente em relação à saúde da população de todo estado.
O C/Can é uma instituição internacional com décadas de existência, com projetos de fortalecimento da ação dos municípios no enfrentamento ao câncer. Principalmente proporcionando uma interação maior entre os diversos entes que fazem parte da cadeia de controle do câncer, desde a promoção da saúde até a reabilitação.
A gente percebe que alguns dos desafio dos sistemas de saúde são a fragmentação e a falta de interação entre os diversos atores do sistema de saúde público e o privado. A experiência do C/Can de fortalecer a gestão municipal e o papel do município, inclusive como sociedade civil, no enfrentamento ao câncer, era uma oportunidade que a gente jamais poderia perder. Era a oportunidade de colocar na mesa todas as instituições que fazem parte dessa cadeia, desde a prevenção até a reabilitação, passando anteriormente, pela promoção da saúde, e trazer um selo internacional para dentro da cidade.
Era preciso fazer com que todos falassem o mesmo idioma para que, juntos, ultrapassássemos os obstáculos que existem na trajetória do cidadão e da cidadã que está com suspeita ou diagnóstico de câncer e precisa receber o tratamento oportuno, no lugar adequado, com a qualidade adequada.
IGCC: Ao longo deste período, quais os avanços que você percebe na cidade e para gestores da área da saúde? (a partir da parceria com o C/Can e IGCC)
EH: Se percebe claramente que o C/Can conseguiu, naquele momento, colocar todos à mesa, evoluir em alguns projetos, e teve como um dos frutos mais importantes a construção do IGCC. O Instituto vem para ocupar esse espaço localmente, e também nacionalmente, de juntar as instituições, de reunir quem tem responsabilidades na cadeia do controle do câncer e, com isso, vem conseguindo ofertar uma trajetória com menos percalços para as pessoas.
Eu vejo que hoje a gente continua com um desafio bem importante aqui em Porto Alegre.
Acredito que as iniciativas do C/Can e do IGCC vem tendo sucesso a partir de ações focadas em alguns tipos de câncer como no projeto “Diagnóstico Precoce”, que trabalhou com câncer de pulmão em parceria com o Grupo Hospitalar Conceição (GHC).
Nesses projetos específicos se vê um avanço claro, entretanto, seguimos com o desafio de ter uma visão mais sistêmica do que acontece com as pessoas com suspeita ou diagnóstico de câncer na cidade, e de construir uma maneira de proporcionar para elas o que necessitam em cada ponto da sua trajetória diagnóstica ou terapêutica, para que isso aconteça da melhor maneira possível.
IGCC: Como médico e doutor em saúde pública, como vê a atual situação do câncer em Porto Alegre e quais as perspectivas futuras?
EH: Vejo como uma das questões mais importantes conseguir monitorar os dados que estão presentes dentro dos sistemas de gestão municipal, como o SISAB, que pega atenção primária, o GERCON, um dos sistemas de gerenciamento de regulação das listas de espera para consultas, procedimentos e internações.
Têm muitos dados clínicos na soma desses sistemas, e seria importante que a gente conseguisse extrair um conjunto mínimo de dados dos pacientes em suspeita ou com diagnóstico de câncer que pudesse ser consumido por todos os entes responsáveis pelas diversas etapas de diagnóstico e tratamento das pessoas. Se a gente conseguisse ter essa informação consolidada e integrada, isso poderia ser um grande avanço para detalhar melhor o que está acontecendo e conseguir superar os desafios. Penso que essa é uma tarefa que cabe bastante bem ao IGCC como promotor de iniciativas que façam esse desafio ser superado.
Fora isso, temos inúmeros outros obstáculos em políticas de promoção de saúde, de efetivar de maneira mais clara o rastreamento do câncer de colo uterino, de mama, colorretal e de pulmão. A cidade de Porto Alegre tem uma atenção primária de qualidade e muito capilarizada que pode ser a protagonista nesses projetos de rastreamento.